Estava tudo certo para que a Via, dona das redes Casas Bahia e
Ponto, pagasse uma remuneração milionária à sua diretoria
estatutária e ao seu conselho de administração em 2022: R$ 105
milhões, valor previsto no formulário de referência enviado à CVM
(Comissão de Valores Mobiliários). O montante seria 65% maior do
que o total desembolsado em 2021, com R$ 97 milhões destinados
apenas à diretoria estatutária da companhia.
Cada um dos cinco diretores estatutários da varejista receberia,
em média, R$ 19 milhões no ano, conforme números consolidados pela
plataforma de investimentos Trademap, a pedido da Folha. O montante
representaria o maior salário do varejo brasileiro, considerando
apenas companhias abertas, de acordo com a Trademap.
Em relação aos diretores, o total no ano incluía salário fixo
(R$ 9,1 milhões), participação nos resultados (R$ 36,6 milhões),
plano de remuneração baseado em opções de ações (stock options) de
R$ 50,7 milhões, além de benefícios (R$ 169 mil) e plano de
previdência (chamado de “pós-emprego”, no valor de R$ 244,2
mil).
Mas a empresa apresentou números negativos —prejuízo de R$ 342
milhões no ano passado, uma piora de 15% em relação às perdas de
2021— e a participação nos resultados, no valor de R$ 36,6 milhões,
não foi paga.
A receita líquida da varejista em 2022 empatou com a de 2021, em
R$ 30,89 bilhões, enquanto o Ebitda (lucro antes de juros,
impostos, depreciação e amortização) disparou 251% para R$ 2,28
bilhões. Ainda assim, o resultado financeiro líquido da companhia
ficou negativo em R$ 2,24 bilhões, uma piora de 84% sobre o
indicador do ano anterior.
Com os resultados ruins, os diretores não ganharam o bônus de
curto prazo.
DIRETOR QUE COMPROU AÇÃO A R$ 5 NÃO VAI VENDER A R$
1,70
O desempenho da empresa também impediu que os executivos
recebessem de fato o que oficialmente estava previsto: R$ 50,8
milhões em ações, o que representa 84% da sua remuneração no
ano.
O plano de stock options oferecido à atual diretoria, em 2019,
previa que os diretores comprariam as ações a R$ 4,97 –uma média do
valor da ação nos 20 pregões anteriores à oferta do plano– e as
venderiam, a partir de 2022, ao valor de mercado, que, esperava-se,
estaria acima desse patamar.
Essa é a lógica dos planos de stock options: compor boa parte da
remuneração em opções de ações, que são compradas pelo executivo a
determinado preço, e só podem ser vendidas por ele tempos depois. O
objetivo é incentivar os executivos a obter bons resultados, que se
reflitam no valor dos papéis. Quanto maior a diferença entre os
preços de compra e de venda, mais ele ganha.
No pregão de terça-feira (4), a ação da Via (BOV:VIIA3) valia R$
1,73, queda de 4,4% no dia. Ao final de 2022, o papel estava
valendo R$ 2,40 –ambos os valores muito distantes dos R$ 4,97
cravados no plano de stock options do alto escalão. Por isso,
segundo fontes que têm conhecimento sobre o processo de
remuneração, ninguém vendeu a ação, embora, por questões contábeis,
o valor seja informado pela empresa como pagamento de
remuneração.
E a perspectiva de curto prazo não é muito positiva. Nesta
quarta-feira (5), a ação opera na casa de R$ 1,70, acumulando queda
de quase 30% somente em 2023. Levando-se em conta a cotação ao
final de 2021, de R$ 5,25, a ação recua 68% desde o início do ano
passado.
A situação gera falta de transparência, de acordo com analistas.
“No formulário de referência da Via, divulgado em 21 de março, não
houve alteração nos valores a serem pagos à diretoria, considerados
ainda como ‘previstos’”, diz o economista Murilo Giovaneli, gerente
de dados econômicos do TradeMap.
“Se os diretores não realizaram stock options, a empresa deveria
ter atualizado os números”, opina Giovaneli, que defende uma
cobrança mais firme por parte da CVM para que as empresas prestem
informações atualizadas no documento.
De acordo com as regras da CVM, no formulário de referência de
2023, deve ser apresentado como remuneração de 2022 o que foi
efetivamente reconhecido no resultado.
Enviado todo ano à autarquia pelas companhias abertas, na época
da divulgação do balanço do ano anterior, o formulário de
referência traz informações como histórico das ações na Bolsa,
fatores de risco do negócio, gestão da empresa, estrutura de
capital e dados financeiros.
Procurada, a Via informou que “houve uma variação negativa de
52,4%, considerando os valores efetivamente pagos” em 2022, em
relação ao que foi pago em 2021. Apesar disso, segundo a empresa,
houve um “incremento de 12,75% no salário base, frente ao realizado
de 2021”, sendo que este valor fixo representa cerca de 10% do
total da remuneração.
A empresa confirma que o bônus de curto prazo não foi pago, “uma
vez que não foi atingido o desempenho mínimo definido para o
programa do ano”. E que “nos anos de 2021 e 2022 não houve efetivo
exercício das opções do plano de incentivo de longo prazo.”
Para 2023, a empresa vai apresentar uma proposta, na Assembleia
Geral Ordinária (AGO), marcada para o dia 19, de remuneração total
de R$ 99,4 milhões à diretoria estatutária. Deste montante, 61% são
stock options, 29% remuneração variável e 9% de salário fixo, além
de benefícios (1%).
NETO DO FUNDADOR DEIXOU CONSELHO E PRESIDENTE SAIU
NA SEQUÊNCIA
A Via acabou de anunciar mudanças na sua diretoria. Roberto
Fulcherberguer, que comandava a empresa desde 2019, anunciou sua
saída da presidência no último dia 31. Ele será substituído por
Renato Horta Franklin, executivo com passagem por Vale e Movida, a
partir de 1º de maio. No mês passado, havia sido anunciada a saída
de Helisson Lemos, vice-presidente de inovação digital, que estava
com Fulcherberguer na empresa desde 2019.
As mudanças foram anunciadas após alterações no conselho de
administração da varejista: André Coji, que integrava o conselho
fiscal da Via, foi indicado membro do colegiado, no lugar de
Marcell Cecchi, que teria deixado o cargo a pedido. Coji foi
indicado por Michael Klein, filho do fundador da Casas Bahia,
Samuel Klein, e principal acionista individual da empresa.
Até o final de 2022, o conselho da Via era presidido por Raphael
Klein, filho de Michael, que deixou o cargo e foi substituído por
Renato Carvalho do Nascimento, conselheiro da empresa desde 2012.
Nos bastidores da companhia, comenta-se que há um embate entre
Raphael e Michael em torno dos rumos do negócio, além de alguns
ressentimentos familiares.
“Depois de mudanças no conselho, é normal que haja alteração no
comando executivo”, afirma o consultor Alberto Serrentino, sócio da
Varese Retail. “Mas hoje eu vejo a Via como uma empresa mais
estruturada e resiliente do que era anos atrás, embora enfrente um
cenário econômico muito mais desafiador.”
Na opinião de Serrentino, a reestruturação comandada por
Fulcherberguer na companhia a tornou muito mais competitiva, com
melhora nos indicadores, embora a despesa financeira ainda seja
alta.
“O atual momento do varejo de bens duráveis no Brasil é muito
ruim”, diz Serrentino. “O setor é dependente de crédito
especialmente para venda de eletrodomésticos, eletroeletrônicos,
móveis e informática, seara da Via”, afirma.
A subida dos juros reduz prazos e aumenta o custo do
financiamento, assim como as parcelas para os clientes, o que
impacta diretamente a demanda. “É um setor que dificilmente vai
crescer no atual cenário.”
Informações Folha
Grupo Casas Bahia ON (BOV:BHIA3)
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