Para quem entrou na Bolsa há pouco tempo, o mês passado
(fevereiro) foi um choque de realidade: ainda que as ações caíssem
e o Ibovespa oscilasse, ver uma Petrobras (BOV:PETR3) e (BOV:PETR4)
derretendo quase 22% em um único dia foi amedrontador. Algo assim
só havia acontecido em março de 2020, quando oficialmente começou a
pandemia no Brasil, e as ações da petroleira caíram 29%.
A mudança do presidente da empresa por meio de uma intervenção
do atual governo de Jair Bolsonaro foi o que incentivou a
desvalorização dos papéis. E não foi a única atingida. Outras
estatais, como Banco do Brasil (BOV:BBAS3) e Eletrobras (BOV:ELET3)
e (BOV:ELET6), pegaram carona e chegaram a perder, respectivamente,
R$ 10 bilhões e R$ 4 bilhões em valor de mercado em apenas três
dias!
Como sabemos, o investidor estrangeiro responde por boa parte da
liquidez dessas grandes empresas. Apenas durante os dias 19 e 23 de
fevereiro (a semaninha bombástica para todas as companhias que
comentamos), esse investidor retirou do nosso mercado de ações mais
de R$ 9 bilhões. Isso tudo “só” porque houve uma mudança na
governança corporativa de uma empresa. Agora, imagina o impacto no
nosso mercado de ações se esse mesmo investidor estrangeiro tiver
uma série de motivos para abandonar a terra tupiniquim…
No acumulado do mês de fevereiro, o saldo de investimento
estrangeiro ficou negativo em mais de R$ 6 bilhões. Em março, ele
retirou R$ 4,11 bilhões até o dia 25 – R$ 1,3 bilhão a menos para a
conta apenas nesse dia. Embora no acumulado do ano o saldo seja
positivo em R$ 12 bilhões, será que o Brasil ainda é um país
atrativo para o investidor estrangeiro? Perguntamos isso para a
economista Paloma Brum, da Toro Investimentos, e ela nos deu uma
aula sobre uma série de fatores que interferem nisso. Acompanhe e
entenda os motivos e impactos.
Vimos uma alta dos títulos norte-americanos nos últimos
tempos. Isso tende a fazer o investidor de lá ficar concentrado no
seu mercado e não olhar tanto para os países emergentes, como o
Brasil?
Devido ao alto volume de recursos que já foram injetados em 2020
e que ainda serão colocados neste ano na economia norte-americana
para ajudar a população a enfrentar os efeitos da pandemia, existe
o receio de que ocorra um superaquecimento da demanda agregada em
relação ao lado da oferta agregada, que vem se recuperando de forma
mais gradual. Isto tem gerado o aumento das expectativas de
que haja alta na inflação estadunidense, o que pode pressionar o
FED a considerar um aumento na taxa de juros referencial de curto
prazo mais cedo do que os seus próprios dirigentes
esperavam ter que realizar.
Ainda assim, os membros do FOMC têm se mostrado inclinados a
tolerar um nível de inflação mais alto, até 2,2% (0,2 p.p. acima do
nível esperado anteriormente) e, dessa forma, podemos
continuar a observar uma política monetária expansionista nos EUA,
com os juros mantidos no atual patamar, de 0% a 0,25% ao
ano.
Diante da expectativa de manutenção de juros baixos por
mais tempo, a perspectiva para os ativos de risco [como as ações do
mercado financeiro] se torna mais positiva, inclusive para os
mercados globais de ações [como é o caso da B3]. Além
disso, o comunicado após a última reunião do FOMC trouxe alívio
para os mercados de câmbio, de juros e de Bolsa de economias
emergentes, como o Brasil, uma vez que sinalizou que países
emergentes não irão incorrer em desvalorização de suas moedas de
forma mais acelerada, o que poderia ocorrer diante de uma alta mais
rápida nos juros americanos.
Contudo, se o FED vier a subir os juros de curto prazo mais cedo
do que o projetado (antes de 2023), isso já seria o suficiente para
impactar, em certa medida, os ativos de risco, como os mercados
globais de ações e o fluxo de capital de economias emergentes.
A recente alta da nossa Selic pode fazer o investidor
estrangeiro investir menos aqui?
A expectativa é que ocorra o movimento contrário, ou seja, é
esperado que o investidor estrangeiro mantenha capital no
Brasil, pois a SELIC mais alta tende a tornar os juros dos
títulos públicos federais mais atrativos face ao nível de
risco mais alto que o País detém atualmente. Além disso, a
manutenção dos juros nos EUA no atual patamar, de
0% a 0,25% ao ano, também favorece os investimentos em ativos de
risco por parte dos estrangeiros, inclusive nos mercados emergentes
como o Brasil, com o objetivo de buscar um potencial de retorno
maior para o seu capital.
Porém, com a continuidade da alta na SELIC, pode haver saída de
capital do investidor estrangeiro dos ativos de risco brasileiros,
como é o caso da Bolsa de Valores. Mas isso não é o caso neste
momento, pois a taxa básica de juros segue baixa e perdendo
para a inflação, o que torna os ativos de risco mais
atrativos. Além disso, o Ibovespa ainda está
descontado considerando-se o seu preço em
dólar, o que também aumenta a atratividade de
investimentos na Bolsa brasileira.
Todos esperavam ansiosos pela liberação do auxílio
emergencial, mas isso pode ser um tiro no pé no sentido de inibir o
investidor estrangeiro, já que aumenta os gastos do
governo?
Sim. Como as contas públicas já são
deficitárias (desde 2014), o aumento dos gastos públicos fora da
regra do Teto de Gastos serve como um sinal de que o Governo está
perdendo o controle sobre as finanças governamentais, o que eleva o
nosso risco-País, ou seja, aumenta o risco para se investir no
Brasil. Consequentemente, os investidores estrangeiros passam a
exigir um prêmio de risco maior para emprestar recursos para o
Governo brasileiro, o que se traduz na demanda por juros mais altos
nos títulos públicos federais.
Como a nossa SELIC se encontra num patamar relativamente baixo e
o risco fiscal está mais elevado do que antes da pandemia (após os
gastos extraordinários que têm sido realizados desde 2020), isso
acaba tornando os títulos públicos menos atrativos e gera um
movimento de fuga de capital estrangeiro. Tal movimento, por sua
vez, aumenta a demanda por dólar para retirar dinheiro do País,
ampliando a desvalorização do real face ao dólar e pressionando
ainda mais a inflação (pois se traduz em insumos e produtos mais
caros).
Nesse contexto, espera-se uma alta nos juros básicos, tanto para
nivelar os prêmios ao nível de risco mais elevado da economia
brasileira, bem como para conter a inflação. Porém, com a alta dos
juros, também pode haver efeitos negativos para os brasileiros,
causando uma desaceleração da recuperação econômica no País. Isso
aconteceria porque juros maiores levam a um custo maior para
investir e para consumir, o que tende a gerar uma queda nos níveis
de investimento, consequentemente, conduzindo a economia a um
patamar de desemprego mais alto, queda da renda média dos
brasileiros, aumento do endividamento de empresas e famílias e
diminuição do consumo.
Ou seja, o aumento do risco fiscal desencadeado pela elevação
dos gastos públicos fora do previsto pelas regras vigentes implica
numa realidade mais crítica para o País no geral, não apenas para
nossa Bolsa de Valores.
Para onde vai o investidor estrangeiro que deixa de
investir na nossa Bolsa?
Diante do aumento das expectativas de alta da inflação na
economia americana, a remuneração dos papéis do Tesouro americano
de longo prazo tem subido. Por exemplo, os juros dos títulos com
vencimento para 10 anos já ultrapassam 1,6% ao ano. Com isso, os
investidores têm deslocado capital dos ativos de
risco, como é o caso dos mercados de ações, para
ativos de maior segurança, seja os títulos públicos
estadunidenses ou para os papéis de empresas cíclicas,
classificadas como investimento de valor (value
investing).
Como consequência, as empresas de alto
crescimento (classificadas como growth cases),
mais alavancadas, como é o caso de diversas companhias de
tecnologia e e-commerce, tendem a sofrer maiores descontos
na precificação de suas ações. Isso ocorre porque o
crescimento acelerado de negócios com este perfil de
growth depende de financiamentos que, por
sua vez, tendem a ficar mais caros com juros do
Tesouro mais elevados. Além disso, o fluxo de
caixa dessas companhias está em grande parte projetado
para um futuro mais longínquo. Dessa forma, ao trazê-lo a valor
presente, com juros mais altos, as empresas passam a sofrer um
maior desconto na sua precificação, o que fortalece a queda nos
preços de suas ações.
Por outro lado, as empresas de value
tendem a ser beneficiadas neste movimento, pois as suas atividades
estão mais relacionadas com o ciclo econômico do momento. Portanto,
diante do cenário de recuperação econômica, que tende a ser
acelerado com o avanço da vacinação em massa nas grandes economias,
as ações de companhias cíclicas, da “velha economia”, que
acompanham o crescimento econômico, tendem a serem mais buscadas,
com tendência geral de valorização nos seus preços.
Trazendo para nossa realidade, e pensando que o Brasil
possa se tornar cada vez mais um mercado atrativo ao estrangeiro,
quais seriam nossas empresas de value e de growth que esses
investidores também ficariam de olho?
Empresas de growth: fintechs, companhias de
tecnologia e/ou voltadas para o e-commerce, como Locaweb
(BOV:LWSA3), Mosaico (BOV:MOSI3), Méliuz (BOV:CASH3), Magazine
Luiza (BOV:MGLU3), Via Varejo (BOV:VVAR3) e B2W Digital
(BOV:BTOW3).
Empresas de value: grandes bancos, como Itaú
Unibanco (BOV:ITUB3) (BOV:ITUB4) e Bradesco (BOV:BBDC3)
(BOV:BBDC4); telefônicas, como é o caso de Vivo (BOV:VIVT3)
(BOV:VIVT4) e Tim (BOV:TIMS3); companhias de energia elétrica; do
setor de commodities (petróleo, minério de ferro, agronegócio);
empresas de consumo (de redes de supermercados, por exemplo) e do
setor de saúde, como Rede D’Or (BOV:RDOR3), Notredame Intermédica
(BOV:GNDI3) e Hapvida (BOV:HAPV3).
Vale ressaltar que as ferramentas para analisar cada um desses
grupos de empresas são diferentes. Para as empresas de
growth, o risco reside em uma potencial desaceleração do
crescimento, o que faria os múltiplos aos quais suas ações são
negociadas caírem. Já para as empresas de value, o risco
tende a estar numa potencial decadência do seu modelo de negócios,
o que pode representar receitas e lucros menores a longo prazo, ou
até mesmo o encerramento das atividades. Por isso, é importante em
ambos os casos ter em vista uma avaliação mais ampla de cada
companhia para compor uma carteira de investimentos.
Gostou deste conteúdo? Comenta aqui embaixo e aproveite para
compartilhar com seus amigos, afinal a fuga do investidor
estrangeiro da nossa Bolsa é um assunto importante, que impacta na
liquidez dos papéis e também na confiança em nosso mercado e no
país como um todo. Aproveitem e ótimo$$ investimento$$!
Foto de entrada do artigo: Divulgação.
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